PRELÚDIO
Chamava-se Brasil aquele menino
que não dormia em berço esplêndido, mas que nascera num catre imundo. Morava,
às margens de um riacho de águas
visguentas, que num gemido quase imperceptível de dor, corria a céu aberto,
empesteando os ares da favela. Do heróico brado do povo, que clamava por
justiça social, nem o eco mais se escutava, mas os raios fúlgidos da liberdade
espiavam pelas frestas do casebre construído de latas, e restos placas de
propaganda política, onde exuberantes bigodes coroavam sorrisos cheios de
simpatia.
O mundo estava lá fora, a pátria
amada. A tramela era frágil, a mãe há dois dias não aparecia. Conquistaria,
então, a liberdade com seus braços fracos, emagrecidos pela fome. Usando de toda a sua força, o moleque Brasil
arrastou um caixote para perto da porta, abriu a tramela, livrando-se assim dos
laços que o prendia naquele letargo. Ó pátria amada, idolatrada!, gritou o
moleque, calças verdes, camisa amarela, enquanto admirava uma constelação em forma de cruz, pregada no
alto dos céus com cravos de estrelas.
Queria ser bombeiro, queria ser
polícia, jogar futebol, queria pular carnaval; apagar fogo nas grimpas de um
edifício, usar uma farda amarela, escutar o olé de uma torcida histérica quando
marcasse um gol, sambar pela avenida a dança que trazia no sangue.
É a ti, menino Brasil, calças
curtas, camisa rasgada, pés descalços, que procurei retratar nesta humilde
obra, cuja inspiração fui buscar pelas ruas, onde o vi correndo atrás de uma
bola, engraxando sapatos, sentado sobre uma caixa onde estava tatuado um
caminhão vermelho; onde o vi correndo, dobrando a esquina, e confundindo-se com
tantos outros; onde o vi dançando ao som de uma lata, que lhe servia de
tamborim; onde o vi tiritando no banco da praça, enquanto mastigava um pedaço
de estrela, retirada do manto azul que cobria seu frágil e debilitado corpo,
numa noite de inverno; onde o vi ser
aclamado com “hosanas”, montado em pelo, num burrinho, num domingo de ramos;
onde o vi, depois de tudo isto, ser crucificado por uma política social injusta
e criminosa.
Em recompensa, quase que num “in memorian”, fui buscá-lo nas ruas,
menino Brasil, e fiz com que, ao menos aqui, seu sonho pudesse se tornar em
realidade. È bonito vê-lo trabalhando, ostentando sua farda cor das riquezas
deste seu xará que se chama Brasil país, Brasil nação, Brasil pátria, este nome
que corre também em seu sangue, menino engraxate, menino polícia, menino
bombeiro, menino que sonha; este nome que arrepia nossa espinha, e nos deixa
mole para chorar, ou valentes até a morte para defender a sua soberania de
qualquer ultraje.
É bonito vê-lo trabalhando,
pulando de estrela em estrela nas alturas, apagando o fogo de suas paixões. E
vê-lo assim, enche-me o coração de esperanças, pois um dia, esta mãe gentil, -
refiro-me agora à Pátria, e não à sua mãe que o abandonou – voltará, e o
acolherá em seu regaço, para pagar-lhe o amor infinito, que a ela você sempre
dedicou. E somente neste dia, menino Brasil,
aquilo que está escrito no Constituição será a mais pura expressão da
verdade.
Seja feliz, menino Brasil! E que
em teu caminho tenha a felicidade de encontrar alguém que voluntariamente, sem
paga alguma, possa vir ao seu encontro, e estender-lhe a mão, para que assim
possa escolher a vereda mais segura, dentre as tantas que se abrem na
encruzilhada de sua vida. E este alguém a quem faço referência, é você, homem
ou mulher de extremosa bondade, que deixa o seio sagrado de seu lar, e apesar
de todas as vicissitudes de sua vida,
sai em socorro de uma classe tão ultrajada, para que sonhos inocentes
não se percam pelo caminho.
O autor
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